08 março 2015

Fantasmas nas nossas camas pela Dra LAura Sanches



A menina não quer dormir! Bate o pé logo pouco as das 7h00.
A menina não quer drmir titi, ora fecha um olho ora outro abre...

 Se a menina não quer...não quer...


Com este video da resistencia ao sono da nossa Menina fica texto da Dra Laura Sanxes Psicologa ( http://www.espaco-vida.com/espaco/espaco.htm#cvlaura) amavelmente cedido para partilha ca no blog

     

                 Fantasmas nas nossas camas - Pais que dormem com os filhos

Há pouco tempo li uma entrevista de uma conhecida especialista do sono que criticava o facto de, segundo ela, haver casos de adultos com trinta anos a dormir com os pais. E, segundo a própria, isso começava, é claro com o problema dos pais não os terem ensinado a dormir sozinhos em crianças.
Então há aqui várias coisa que merecem ser questionadas. Em primeiro lugar, a velha crença de que precisamos de ensinar as crianças a dormir. Aqui estou plenamente de acordo com o pediatra Carlos Gonzalez quando afirma que não se ensina ninguém a dormir. Tudo que podemos fazer é criar as condições ideais para que uma criança durma e essas condições podem variar um pouco mas há uma que será fundamental em todos os casos: segurança. Porque dormir é uma espécie de abandono. Para dormir precisamos de ser capazes de abandonar o mundo, sabendo que ele estará seguro e o voltaremos a encontrar quando acordarmos mas, acima de tudo, precisamos de nos abandonar a nós. Ninguém decide adormecer, ninguém controla racionalmente o sono. Se assim fosse não teríamos tantos problemas de insónias. Dormir é simplesmente algo que deixamos que aconteça e, para que isso aconteça, precisamos de estar tranquilos e seguros. Muitos adultos têm insónias justamente por falta de segurança: porque não conseguem parar de pensar nos problemas do trabalho, ou nas contas para pagar, ou na discussão que tiveram com o marido ou mulher nesse dia.

Porque para dormir precisamos acima de tudo de confiar: precisamos de confiar que o mundo estará cá de manhã quando acordarmos e que tudo irá estar bem e precisamos de confiar que não nos acontecerá nada de mal enquanto estivermos nesse estado de inconsciência que é o sono e que implica alguma vulnerabilidade, até mesmo do ponto de vista físico. Qualquer animal, para dormir, procura um sítio seguro e qualquer mamífero procura sítios seguros para as suas crias dormirem, porque sabem instintivamente que dormir é um estado vulnerável. 

E, de um ponto de vista mais fisiológico, para dormir precisamos de desligar o nosso sistema de alerta, precisamos de ser capazes de desligar o sistema de resposta ao stress que se activa sempre que nos sentimos perante uma potencial ameaça e que nos impede de dormir, excepto quando já estamos num estado de total exaustão, porque dormir seria ficarmos vulneráveis aos perigos.
Então, enquanto pais a única coisa que podemos fazer para que os nossos filhos durmam é criar um ambiente seguro. E essa segurança pode ser diferente de criança para criança. Os bebés precisam de mais contacto físico mas, por vezes esse contacto pode não chegar. Alguns bebés precisam também de movimento e isso não está errado. Muitos pais se questionam o que estarão a fazer de mal porque os bebés, para além de precisarem de colo para adormecer, também precisam de ser embalados. Isto é natural, o embalo recria as condições do útero onde o bebé se sentia tão bem e, por outro lado, o embalo activa mesmo determinadas partes do cérebro que detectam o movimento e que, só assim, podem produzir uma sensação de relaxamento e tranquilidade, desligando o tal sistema de alarme. Por algum motivo um movimento típico das crianças autistas ou com outros problemas de desenvolvimento é aquele movimento do corpo para trás e para a frente, como se se estivessem a embalar a si próprias. Isto acontece porque a criança encontra neste mecanismo algum tipo de controlo dos seus estados de stress e uma forma de reduzir um pouco a sua tensão. Este movimento também se via muito nas de crianças institucionalizadas a quem não era permitido nenhum tipo de contacto físico.

Talvez este mecanismo seja fruto da herança genética que partilhamos com outros mamíferos que andam a maior parte do tempo agarrados às suas mães, ou talvez seja herança dos nossos próprios antepassados que também estavam muito mais em movimento, porque andavam muito mais ao colo do que nós. O que é certo é que, o facto de ser universal que o movimento acalma os bebés significa que isto não pode estar errado. Logo também não será errado dar a um bebé aquilo que ele precisa. E poderá haver dias em que isto faz mais falta do que noutros, ou crianças que precisam mais desse movimento do que outras porque não somos todos iguais e não nos sentimos sempre da mesma forma.

Por outro lado também há crianças que precisam de mais contacto físico do que outras e crianças que continuam a precisar dele por vários motivos. Então, se a criança, precisa deste contacto o que é que ganharemos em tirar-lho? Apenas mais insegurança.

Outra coisa em que também é preciso pensar quando falamos de pais que dormem com os filhos é que, apesar de tudo, existe uma diferença grande entre os pais que dormem com os filhos por opção e aqueles que o fazem porque sentem que não têm outra alternativa.

Em tempos falava de co-sleeping com uma colega que trabalha num serviço de pedopsiquiatria e ela dizia-me que, nesse serviço, todas as crianças dormiam com os pais. Isto é um argumento muitas vezes usado pelos médicos que lidam com muitas famílias disfuncionais e que constatam que esta é uma realidade dessas famílias. Mas, aqui, precisamos de pensar que a partilha de cama dessas crianças com os pais não tem necessariamente de ser a culpada dos problemas da criança: antes pelo contrário, o que acontece é que, nestas famílias, existem outros problemas que esta partilha de cama pode ajudar a minimizar. Por um lado se a criança tem algum problema de relacionamento ou de desenvolvimento é natural que isto lhe cause alguma ansiedade e alguma insegurança, então também é natural que essa criança não queira ficar sozinha de noite, um momento de maior vulnerabilidade. E, por isso, o mais natural é que procure o conforto do corpo dos pais, para se sentir mais segura e protegida. Por outro lado, se os pais também sentem que há algo que não está certo com a criança, se sentem que a sua relação com ela não funciona bem também podem querer dormir com a criança como forma de se sentirem um pouco mais tranquilos em relação a isso. Sim, porque os adultos, por vezes, também precisam desse contacto físico para se sentirem seguros.

E, depois os efeitos da intenção com que se partilha a cama com uma criança também são muito diferentes. É diferente o caso de um pai que partilha a cama com o filho porque sente que esta é a única forma de conseguir descansar ou um pai que partilha a cama com o filho por opção e porque sente que esta é uma forma positiva de relacionar com a criança. No primeiro caso o que acontece geralmente é o sentimento de culpa e de medo. Na verdade as famílias em que os pais dormem com os filhos são muito mais comuns do que aquilo que se pensa mas, o que acontece, é que justamente por causa desta culpa e deste medo associados à vergonha, as pessoas acabam muitas vezes por esconder este comportamento.

Então é muito importante que se desmitifique esta ideia de que a partilha de cama é culpada de coisas muitos graves no desenvolvimento das crianças. E é fundamental que os pais percam o medo de dormir com os filhos.

Muitas vezes os pais de crianças mais crescidas perguntam-me se acho que ainda podem dormir com os filhos, dizem-me que os filhos não querem dormir sozinhos e fazem-no, quase sempre, com este misto de culpa e de vergonha de quem acha que fez alguma coisa de errada. A resposta que dou normalmente nesses casos é que, se a criança precisa realmente daquele contacto será muito mais prejudicial negá-lo do que dar-lhe simplesmente aquilo de que ela precisa - livres de culpa e de vergonhas - até que um dia ela deixe de precisar.

É verdade que um bebé precisa mais de contacto físico e da nossa presença do que uma criança mais velha. Também é verdade que será natural que uma criança mais velha consiga mais facilmente adormecer sozinha que um bebé. Mas o facto de isto ser o mais esperado não quer dizer que tenha de ser forçado. Todas as crianças têm necessidades diferentes. Há uns dias ouvi uma frase do educador do meu filho com que me identifiquei e que faz todo o sentido aqui, a propósito de outra coisa, ele dizia que não era apologista de autonomias forçadas. E realmente não se pode mesmo forçar a autonomia de uma criança. Ainda por cima as crianças são muito mais atentas aos sentimentos e às expressões não verbais mais subtis do que os adultos, isto significa que, uma criança que precisa de dormir com os pais que se sentem culpados de o fazer, sente essa culpa e acaba por interiorizar essa vergonha. Um pai que acredita que há algo de errado com o seu filho por não conseguir dormir sozinho, acaba por transmitir ao filho essa visão fazendo com que, por sua vez, esse filho acabe por interiorizar que há algo de errado consigo. Por sua vez isso acaba por gerar ainda mais insegurança, ansiedade e vergonha e, mais uma vez, procurar o conforto do corpo dos pais pode ser justamente uma maneira de minimizar o desconforto provocado por esses sentimentos.

Então, a única solução, será confiar nos nossos filhos. Saber que não é negando as suas necessidades que estas algum dia irão desaparecer.

Mais uma questão em que este artigo me deixou a pensar foi esta: e porque será que queremos assim tanto que estas necessidades desapareçam? Porquê esta necessidade de querermos afastar os nossos filhos de nós? Porquê este medo da dependência e estes fantasmas da autonomia que assombram tantas casas por aí? 

Ao ler este artigo lembrei-me da abertura de um livro do Kabat-Zinn - Everyday Blessings - que descreve a noite em que um dos filhos voltou a casa depois de ter passado a sua primeira temporada na faculdade e os pais já estavam deitados. Kabat-Zinn descreve de forma comovente a maneira como o filho foi ter com eles ao quarto e se deitou, na cama dos pais, ao comprido, em cima deles e abraçando os dois ao mesmo tempo. Nesse livro, comovente e inspirador, ele descreve esse como um dos momentos mais ricos e significativos na sua vida de pai. E fala da felicidade de sentir aquele corpo, daquele jovem adulto - que ele diz que, em bebé, carregou nos seus braços durante todo o tempo que lhe foi possível -  e da felicidade de sentir que existia ainda essa intimidade entre os dois e de sentir que esse reencontro o deixava a ele tão feliz como aos pais. Confesso que esta  imagem do filho crescido deitado em cima dos pais que estavam na cama me comoveu e marcou desde o dia em que a li e pensei que gostaria muito de ter essa relação com o meu filho, um dia, quando ele for crescido.  E, quando li este artigo foi uma das imagens que me veio à memória e que me fez perguntar que tipo de relação é que queremos ter com os nossos filhos afinal? Uma em que eles sintam que os pais estão tão distantes e afastados que mal podem tocar-lhes ou outra em que, mesmo adultos, sintam que é possível ter a proximidade e o conforto de um abraço daqueles que só damos às pessoas mesmo especiais para nós. Porque é através do corpo que damos e recebemos afecto. É através do corpo que estabelecemos relações e dormir com alguém ou simplesmente estar um pouco na cama de alguém pode ser uma maneira muito íntima de expressar esse afecto. Então, se queremos ter uma relação verdadeiramente próxima e significativa com os nossos filhos, porquê negar-lhes esse contacto?
Porque é que, para tantas pessoas, é tão chocante pensar num adulto de trinta anos a entrar na cama dos pais

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